segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Entre os dez e quinze anos

         


Largo do Rossio (Rio de Janeiro)

          Praticamente nada deste período se sabe a respeito de Machado de Assis, uma vez que em seus textos ele não se refere a esta fase de sua vida, silenciando por completo os episódios que lhe sucederam. Há, porém, muita especulação por parte dos biógrafos. Afirmam que, além de coroinha, o menino teria estudado num colégio feminino, aprendido francês com um padeiro, tomado aulas particulares com um padre camarada. Sabe-se que Francisco José havia arranjado um serviço para o rapazinho, colocando-o como caixeiro (balconista) em uma papelaria da cidade, mas o trabalho não agradou a Joaquim Maria, que nele permaneceu por apenas três dias. Não apresentava temperamento para o comércio e desde cedo ele tinha certeza de que o seu destino estaria ligado às letras, apesar da oposição de seu pai.
          Machado havia entendido que a única maneira dele conseguir mudar de vida seria através do estudo. Tem plena consciência de que a sociedade está dividida entre homens que possuem belas quintas, roupas novas e perfumadas, almoços e jantares fartos, sempre admirados e respeitados pelos seus pares, e homens que passam a vida toda se esfalfando num trabalho degradante, sujos, mal vestidos e mal alimentados. Bastava-lhe comparar como era a vida na casa de sua madrinha rica e a pobreza humilde que via na modesta casa de seus pais. Logo compreendeu que o destino não era justo e que para subir na vida e ter uma posição de destaque na sociedade, ele precisaria estudar com afinco e determinação, pois somente assim conseguiria atingir seus objetivos. Machado era um menino ambicioso, queria ser alguém, queria fazer parte daquele mundo que ele observava de longe e o único trampolim social que via diante de si era a instrução. Dotado de uma curiosidade intelectual inata, o rapazinho ia lendo tudo que lhe caía às mãos, buscando ajuda e conforto nos livros, os quais muito amava. Tanto que a única imagem que temos de Machado adolescente é dele segurando um livro, muito concentrado na leitura, enquanto vinha na barca de São Cristóvão para o centro. Talvez viesse para a Praça da Constituição - que é como se chamava ao tempo o Largo do Rossio - olhar a vitrine das livrarias, admirar aquele mundo urbano, cuja vida pulsava repleta de promessas e esperanças, tão próximo e ao mesmo tempo tão distante da periferia pobre em que vivia.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O COROINHA JOAQUIM MARIA




Igreja da Lampadosa (Jean Baptiste Debret - 1826)

          Foi um dos amigos da juventude de Machado de Assis, Francisco Ramos Paz, quem informou o biógrafo Alfredo Pujol que o escritor teria sido sacristão na igreja da Lampadosa. Esta é outra das inverdades que se costuma dizer a respeito do autor de Quincas Borba. Os investigadores da vida de Machado esmiuçaram todos os arquivos da velha ermida em busca de algum papel mofado que pudesse elucidar o caso. Trabalho em vão. Nunca se achou qualquer referência de que o escritor tenha ocupado tal ofício nesta igreja. Muito provavelmente foi coroinha, tocara sinos, ajudara missa e mais nada.
          A igreja da Lampadosa localizava-se perto da Praça da Constituição, junto à célebre casa que pertenceu a José Bonifácio. Ao final do dia, Machado deveria receber uma moeda e, feliz da vida, ia olhar as vitrines das lojas que vendiam livros. Ali perto ficava uma livraria famosa naquele tempo, a livraria de Paula Brito, que seria o primeiro grande incentivador de Joaquim Maria. O menino, tímido e receoso, deve ter entrado na loja muitas vezes para não comprar nada, apenas observar os livros nas estantes e as pessoas que freqüentavam o estabelecimento. Quanta gente importante comparecia àquela livraria, políticos de prestígio e escritores de renome!
          Coroinha ou sacristão, a verdade é que todo o tempo que ele permaneceu vinculado à igreja marcou-lhe definitivamente o espírito, tanto que há inúmeras referências ligadas ao universo cristão em sua obra. A própria igreja da Lampadosa é citada de maneira explícita no conto “Fulano”, publicado no livro Histórias Sem Data. Com o tempo, Machado tornou-se agnóstico, mas sempre escreveu sobre a igreja e assuntos religiosos com o mais profundo respeito. Verdade que alguma vez procurou satirizar a decadência dos costumes do clero, mas a sua crítica sempre buscava golpear os aspectos exteriores da religião e nunca a sua essência.